domingo, 25 de abril de 2010

Adeus, luminares do Direito!


Célio Heitor Guimarães

Não me lembro se já disse aqui. Se disse, repito; se não disse, digo agora: das carreiras profissionais liberais, a mais ingrata é a advocacia. Se o médico salva o doente, é santo; se o paciente morre, ele fez o que pode, mas Deus assim quis. De igual modo, se a obra do engenheiro fica bonita e eficaz ou se, mal construída, desmorona, a responsabilidade é dele e é ele que colhe os louros ou as críticas. Advogado, não. O resultado do seu trabalho não depende dele, mas de terceiros nem sempre preparados, operosos ou decentes.

Como advogado, ajuizei, algum tempo atrás, mandado de segurança em favor de um servidor público, cuja administração estadual havia lhe subtraído indevidamente vantagem pecuniária legalmente adquirida, sob o falso argumento de que tal benefício fora incorporado ao salário básico, em reclassificação funcional. Fui aos livros, debrucei-me sobre a doutrina e a jurisprudência, vali-me até de uma bela compilação feita pelo dr. Mário Diney Bittencourt sobre direito líquido e certo, e provei que a alegação não era verdadeira, que a reclassificação não incorporara nada, nem tratara disso. A questão chegou a Brasília, ao nobre Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde o pleito foi negado porque o impetrante não demonstrara que a dita incorporação ocorrera!... Sim, fui derrotado porque não provei a existência de algo que passara o tempo todo afirmando que não existia...

Em outra ocasião, bati às portas da mesma excelsa corte em busca da reforma de decisão claramente equivocada. Fiz prova disso, ancorei-me, de novo, na lei, na doutrina e na jurisprudência. Não tinha dúvida do sucesso. Pois o eminentíssimo relator da matéria, seguido pela unanimidade de seus iluminados pares, negou provimento ao recurso em uma decisão que pode ser resumida numa frase dita por S. Exª.: "O singelo argumento de que a ordem jurídica foi ofendida não autoriza a suspensão da decisão judicial".

A frase lapidar foi cunhada em placa que mantenho afixada à frente de minha mesa de trabalho e dela me valho sempre que tenho uma recaída e recomeço a acreditar na justiça.

Recentemente, recorri da inabilitação de uma prestadora de serviço, em processo de licitação. O recurso administrativo foi indeferido, sem qualquer motivação. Esse desrespeito aos ditames legais gerou a impetração de mandado de segurança. Na primeira instância, o MM. Dr. Juiz concedeu liminar e depois a revogou, entendendo que, embora a rejeição do recurso fosse desmotivada, a administração tivera razões para inabilitar a empresa. Quer dizer, apesar de ocultos para a interessada, os motivos eram válidos. Fiz ver que a inabilitação, também inconsistente, não fora o objeto da ação, e sim a conduta irregular e, por isso, inaceitável da administração. No egrégio TJ, agravo foi indeferido, tendo o ilustre relator rejeitado também embargos de declaração, sob o fundamento de que a embargante estaria tentando rediscutir a matéria. Rediscutir?! Não, excelência, estava apenas tentando discuti-la, o que não tivera oportunidade até então!...

Por essas e outras é que anuncio a minha retirada da advocacia militante. Logo farei 70 anos e já não tenho mais nenhuma paciência com a mediocridade, com a burrice, com a safadeza e com egos inflados. Em se tratando de alguns homens de toga, particularmente, com a soberba. Fiquem eles com a sua sapiência; ficarei com a minha ignorância. E saúde.

Por isso, cumpre-me agradecer publicamente ao prof./dr. Romeu Felipe Bacellar Filho e ao dr. Renato Andrade, titulares de um dos mais respeitados e eficientes escritórios da praça, pela honrosa e fraterna acolhida e pelos anos de ensinamentos e paciência. Fui muito feliz ali e até me senti importante ao lado deles e em meio a outros brilhantes colegas. São pessoas que engrandecem a profissão de advogado e não permitem que ela sucumba de vez. Entre os antigos representantes da classe, aproveito para homenagear, uma vez mais, o dr. Mauro Nóbrega Pereira, causídico à moda antiga e um dos mais dignos, que ainda existem, graças a Deus.

P.S. Cometendo estas mal traçadas linhas ainda continuarei, agora até com mais liberdade de ação, enquanto houver quem as leia e quem tenha a coragem de publicá-las.
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O Estado do Paraná – 25/04/2010 – http://www.parana-online.com.br/http://www.reclamando/ .com.br

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